Tatiana Faia | El poeta ocasional

Tatiana Faia





Tatiana Faia




primer poema de berlín     



para Francisca Camelo  






en la soledad de los claustros de kreuzberg 

un santo carga en lo alto y sin secretos 

su cruz envuelto por la noche 

no tiene otro color sino el blanco 

su vestido pero yo quería que fuera 

azul oscuro y bordado de estrellas 

con un aire

de solemne, salvaje, agreste



su consagración es incompleta

marítima, ululante

como nosotros él falló al unirse a los normandos

revelarse solitariamente creyente

y así consolado por un sosiego de piedra

lo guardan ahora nosotros y esta cámara

pequeños animales noctámbulos

la memoria distante de martirios

en gloria febril y efímera

que a él tampoco lo consuelan

y una absurda calma

una estoica y autoritaria indiferencia

contra los borrachos que a veces cortan

por las cercas del jardín

contra los turistas detenidos

para la ocasional fotografía

triunfa también algo en nosotros

pero no sabemos qué

y este santo que no tiene sinapsis

tampoco nos sabría decir



y quiero que él cante

y que nos cuente todos sus secretos

si algo lo tocó tanto como nos conmueven

los amigos que nos esperan a altas horas de la noche

o en las horas de madrugada en todas las ciudades distantes



esta noche sin embargo dos solitarias muchachas

recorren en línea recta la distancia entre esto

y checkpoint charlie

el santo tal vez pregone

como sugiere la cruz en lo alto

la otra mano erguida con un pulgar ligeramente curvado

tal vez lo que él diga haga efecto

en este ser tarde y estar todavía sobrias

como los santos en sus momentos de piedra

que no fueron hechos para soportar

toda esta ruina que nos rodea

aunque no sea aún esta, francisca, la conversación

que va a tropezar con mi absurda necesidad

de más estatuas de santas en éxtasis

más estatuas de santos que se divierten

en todas las alamedas de todos los jardines

de todos los claustros del mundo



la atención a una promesa también es esto

este momento dado por una amiga

un tiempo fuera de su rigor





en el inicio de una primavera

que carga con ella la cicatriz de un largo invierno

un inicio voraz y en color rojo

de frutos que brotarán enteros y dulces

porque tampoco queremos

creer en un dios que no baile

en un dios que no acepte nuestra sangre

y su velocidad caliente

sus juegos de inquietud y retroceso

ávido de pequeñas absurdas conquistas

un dios que no se siente a conversar con nosotros

es lo que no podríamos soportar




porque también en los momentos de pausa

el ardor del mundo carga su propio peso

se abre en su fuego contra la contracción

de un puño que se cierra sobre nuestros úteros

nuestros brazos nuestros ojos

nuestra alegría que nadie podrá romper

que nadie podrá romper




pero pienso que el ardor del mundo

cuenta hasta el tiempo

de cuánto duró esta pausa

tan inclemente que sabrá hasta

cuánto tiempo le llevó al azúcar

de sucesivas barras de chocolate

haber redundado en sugar rush




pero se desprende y cae




ya está en la luz inscrita en el cuerpo del santo

en la ausencia prometida por delicados detalles

de su brocado de mártir

mira cómo incluso él





para estar tan iluminado

tiene que ser vivo, pedestre, pagano

capaz de una caminata en línea recta

luz que viene de abajo hacia arriba y así se acepta






Berlín, 25 de mayo de 2018


Oxford, 28 de mayo de 2018






primeiro poema de berlim




para a Francisca Camelo




na solidão dos claustros em kreuzberg

um santo carrega ao alto e sem segredo

a sua cruz envolto pela noite

não tem outra cor que não o branco

a sua veste mas eu queria que fosse

azul escuro e orlado de estrelas

com qualquer coisa

de solene, selvagem, agreste



a sua sagração é incompleta

marítima, ululante

ele como nós falhou em juntar-se aos normandos

revelar-se solitariamente crente

e assim consolado por um sossego de pedra

guardam-no agora nós e esta máquina fotográfica

pequenos animais noctívagos

a memória distante de martírios

em glória febril e efémera

que também a ele não o consolam

e uma absurda calma

uma estoica e autoritária indiferença

contra os bêbados que às vezes cortam 

pelas vedações do jardim





contra os turistas que param

para a ocasional fotografia

triunfa também sobre algo em nós

mas não sabemos o quê

e este santo que não tem sinapses

também não nos saberia dizer




e eu quero que ele cante

e que nos conte todos os seus segredos

se algo o moveu tanto quanto nos comovem

amigos que nos esperem pela calada da noite

pelas horas cedo da manhã em todas as cidades distantes




nesta noite no entanto duas solitárias raparigas

fazem em linha recta a distância entre isto

e checkpoint charlie

o santo talvez pregue

tanto o sugere a cruz ao alto

a outra mão erguida com um polegar ligeiramente curvado

talvez o que ele diga pegue

a este quanto de ser muito tarde e estarmos sóbrias

como os santos nos seus momentos de pedra

que não foram feitos para arcar

com toda esta perda que nos rodeia

ainda que não seja ainda esta, francisca, a conversa

que vai descambar para a minha absurda necessidade

de mais estátuas de santas em êxtase

mais estátuas de santos a divertirem-se

em todas as alamedas de todos os jardins

de todos os claustros do mundo




a atenção de uma promessa também é isto

este momento dado por uma amiga

um tempo fora do seu rigor





na abertura de uma primavera

que carrega nela a cicatriz de um longo inverno

uma abertura voraz e em vermelho

de frutos que hão-de brotar inteiros e doces

e também nós não querermos

acreditar num deus que não dance

num deus que não aceite o nosso sangue

a sua velocidade quente

os seus jogos de inquietude e retrocesso

tão pronto para pequenas absurdas conquistas

um deus que não se sente para uma conversa connosco

é o que não poderíamos aturar




porque também nos momentos de pausa

o ardor do mundo arca com o seu próprio peso

abre-se no seu fogo contra a contracção

de um punho que se fecha sobre os nossos úteros

os nossos braços os nossos olhos

a nossa alegria que ninguém poderá quebrar

que ninguém poderá quebrar



mas penso que o ardor do mundo

conta até o tempo

de quanto durou esta pausa

tão inclemente que saberá até

quanto tempo levou até o açúcar

de sucessivas barras de chocolate

ter redundado em sugar rush




mas descola-se e vai cair



já está na luz inscrita no corpo do santo

na ausência prometida pelos delicados detalhes

do seu brocado de mártir

para ficar tão iluminado

tem de ser assim vivo, pedestre, pagão

capaz de uma caminhada em linha recta

luz vinda de baixo para cima e assim aceite






Berlim, 25 de Maio de 2018


Oxford, 28 de Maio de 2018






0 Comentarios