primer poema de berlín
para Francisca Camelo
en la soledad de los claustros de kreuzberg
un santo carga en lo alto y sin secretos
su cruz envuelto por la noche
no tiene otro color sino el blanco
su vestido pero yo quería que fuera
azul oscuro y bordado de estrellas
con un aire
de solemne, salvaje, agreste
su consagración es incompleta
marítima, ululante
como nosotros él falló al unirse a los normandos
revelarse solitariamente creyente
y así consolado por un sosiego de piedra
lo guardan ahora nosotros y esta cámara
pequeños animales noctámbulos
la memoria distante de martirios
en gloria febril y efímera
que a él tampoco lo consuelan
y una absurda calma
una estoica y autoritaria indiferencia
contra los borrachos que a veces cortan
por las cercas del jardín
contra los turistas detenidos
para la ocasional fotografía
triunfa también algo en nosotros
pero no sabemos qué
y este santo que no tiene sinapsis
tampoco nos sabría decir
y quiero que él cante
y que nos cuente todos sus secretos
si algo lo tocó tanto como nos conmueven
los amigos que nos esperan a altas horas de la noche
o en las horas de madrugada en todas las ciudades distantes
esta noche sin embargo dos solitarias muchachas
recorren en línea recta la distancia entre esto
y checkpoint charlie
el santo tal vez pregone
como sugiere la cruz en lo alto
la otra mano erguida con un pulgar ligeramente curvado
tal vez lo que él diga haga efecto
en este ser tarde y estar todavía sobrias
como los santos en sus momentos de piedra
que no fueron hechos para soportar
toda esta ruina que nos rodea
aunque no sea aún esta, francisca, la conversación
que va a tropezar con mi absurda necesidad
de más estatuas de santas en éxtasis
más estatuas de santos que se divierten
en todas las alamedas de todos los jardines
de todos los claustros del mundo
la atención a una promesa también es esto
este momento dado por una amiga
un tiempo fuera de su rigor
en el inicio de una primavera
que carga con ella la cicatriz de un largo invierno
un inicio voraz y en color rojo
de frutos que brotarán enteros y dulces
porque tampoco queremos
creer en un dios que no baile
en un dios que no acepte nuestra sangre
y su velocidad caliente
sus juegos de inquietud y retroceso
ávido de pequeñas absurdas conquistas
un dios que no se siente a conversar con nosotros
es lo que no podríamos soportar
porque también en los momentos de pausa
el ardor del mundo carga su propio peso
se abre en su fuego contra la contracción
de un puño que se cierra sobre nuestros úteros
nuestros brazos nuestros ojos
nuestra alegría que nadie podrá romper
que nadie podrá romper
pero pienso que el ardor del mundo
cuenta hasta el tiempo
de cuánto duró esta pausa
tan inclemente que sabrá hasta
cuánto tiempo le llevó al azúcar
de sucesivas barras de chocolate
haber redundado en sugar rush
pero se desprende y cae
ya está en la luz inscrita en el cuerpo del santo
en la ausencia prometida por delicados detalles
de su brocado de mártir
mira cómo incluso él
para estar tan iluminado
tiene que ser vivo, pedestre, pagano
capaz de una caminata en línea recta
luz que viene de abajo hacia arriba y así se acepta
Berlín, 25 de mayo de 2018
Oxford, 28 de mayo de 2018
primeiro poema de berlim
para a Francisca Camelo
na solidão dos claustros em kreuzberg
um santo carrega ao alto e sem segredo
a sua cruz envolto pela noite
não tem outra cor que não o branco
a sua veste mas eu queria que fosse
azul escuro e orlado de estrelas
com qualquer coisa
de solene, selvagem, agreste
a sua sagração é incompleta
marítima, ululante
ele como nós falhou em juntar-se aos normandos
revelar-se solitariamente crente
e assim consolado por um sossego de pedra
guardam-no agora nós e esta máquina fotográfica
pequenos animais noctívagos
a memória distante de martírios
em glória febril e efémera
que também a ele não o consolam
e uma absurda calma
uma estoica e autoritária indiferença
contra os bêbados que às vezes cortam
pelas vedações do jardim
contra os turistas que param
para a ocasional fotografia
triunfa também sobre algo em nós
mas não sabemos o quê
e este santo que não tem sinapses
também não nos saberia dizer
e eu quero que ele cante
e que nos conte todos os seus segredos
se algo o moveu tanto quanto nos comovem
amigos que nos esperem pela calada da noite
pelas horas cedo da manhã em todas as cidades distantes
nesta noite no entanto duas solitárias raparigas
fazem em linha recta a distância entre isto
e checkpoint charlie
o santo talvez pregue
tanto o sugere a cruz ao alto
a outra mão erguida com um polegar ligeiramente curvado
talvez o que ele diga pegue
a este quanto de ser muito tarde e estarmos sóbrias
como os santos nos seus momentos de pedra
que não foram feitos para arcar
com toda esta perda que nos rodeia
ainda que não seja ainda esta, francisca, a conversa
que vai descambar para a minha absurda necessidade
de mais estátuas de santas em êxtase
mais estátuas de santos a divertirem-se
em todas as alamedas de todos os jardins
de todos os claustros do mundo
a atenção de uma promessa também é isto
este momento dado por uma amiga
um tempo fora do seu rigor
na abertura de uma primavera
que carrega nela a cicatriz de um longo inverno
uma abertura voraz e em vermelho
de frutos que hão-de brotar inteiros e doces
e também nós não querermos
acreditar num deus que não dance
num deus que não aceite o nosso sangue
a sua velocidade quente
os seus jogos de inquietude e retrocesso
tão pronto para pequenas absurdas conquistas
um deus que não se sente para uma conversa connosco
é o que não poderíamos aturar
porque também nos momentos de pausa
o ardor do mundo arca com o seu próprio peso
abre-se no seu fogo contra a contracção
de um punho que se fecha sobre os nossos úteros
os nossos braços os nossos olhos
a nossa alegria que ninguém poderá quebrar
que ninguém poderá quebrar
mas penso que o ardor do mundo
conta até o tempo
de quanto durou esta pausa
tão inclemente que saberá até
quanto tempo levou até o açúcar
de sucessivas barras de chocolate
ter redundado em sugar rush
mas descola-se e vai cair
já está na luz inscrita no corpo do santo
na ausência prometida pelos delicados detalhes
do seu brocado de mártir
para ficar tão iluminado
tem de ser assim vivo, pedestre, pagão
capaz de uma caminhada em linha recta
luz vinda de baixo para cima e assim aceite
Berlim, 25 de Maio de 2018
Oxford, 28 de Maio de 2018
Tatiana Faia (1986, Lisboa, Portugal)
Traducción: Cristina Díaz
Fuente: http://www.puntodepartida.unam.mx/index.php/1101-no-0212/2090-0212-literatura-contemporanea-de-portugal-tatiana-faia
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